A saga em busca da primeira habilitação – Parte 2

 

O dia da consulta médica e do exame psicotécnico havia chegado e eu estava em pane pensando em que tipos de instrumentos de tortura eles nos avaliariam… Com certeza deveriam checar minha visão e fiquei imaginando como seria a sensação de ter meu globo ocular varrido por alguma espécie de laser futurista.

Mas é claro que isso era só minha imaginação fértil ultrapassando os limites do que se considera razoável.

Cheguei ao consultório médico por volta das 9h da manhã, onde eu teria minha consulta com sei lá que médico. Imaginei que seria um lugar abarrotado de pessoas enfermas esperando sua aprovação para conduzir veículos na cidade, só que quando bato na porta, encontro apenas uma secretária numa antessala e mais uma porta que dava para a sala da médica. Ainda bem que era mulher. Fiquei aliviada porque não sabia que tipos de coisas ela gostaria de testar e averiguar em mim, então só por segurança, achei melhor que ela fosse do mesmo gênero que o meu.

Dirigi-me a secretária e ela me olhou como se eu estivesse atrapalhando algo muito importante. Olhei a tela de seu computador e ela estava conferindo o perfil do Facebook de alguém. Oh, desculpe por atrapalhar, mas estou aqui para fazer você trabalhar, querida, pensei.

 

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Eu tenho hora marcada, ok?

 

Ela fez um sinal pedindo que eu aguardasse e minimizou a tela do Facebook. Pegou meu comprovante de pagamento pela consulta e chamou a médica ao telefone. Pergunto-me se era tão cansativo assim para ela se levantar e bater na porta avisando da minha presença. A médica, que agora nem lembro mais como se chama, convidou-me a entrar na sala dela e então sentei na cadeira vaga a sua frente.

A médica começou portanto a me fazer perguntas e eu a responder.

- Você bebe?

-Não…

- Fuma?

- Também não…

- Tem alguma alergia?

- Não que eu saiba até agora…

- Tem histórico de pressão alta na família?

- Sim, meu pai… –ela me corta no meio da frase e faz mais uma pergunta.

- Tem histórico de diabetes?

- Não…

- Faz uso de drogas ou tratamento controlado?

- Não, não…

- Ok, isso é tudo. Por favor, sente-se ali naquela cadeira.

- Ah, claro…

- Segure neste aparelho.

Opa, pensei. Começou a hora da tortura. Ela mandou eu segurar em um aparelho estranho e pediu que eu apertasse, enquanto algum medidor subia. Meu faro de estudante de engenharia me fez deduzir que aquilo parecia uma espécie de medidor de pressão.

- Ok, Daniela. Agora olhe aquelas letras que estão ali e repita para mim na ordem em que você as enxerga.

Ora, isso era fácil. Ela tapava meu olho direito para testar minha visão esquerda.

- A-D-R-O-B-P-E-F.

- Ótimo, agora o outro olho.

Ela tapou meu olho esquerdo e de repente as letras ficaram mais embaçadas. Isso provavelmente é um sinal de que meus dois olhos não enxergam perfeitamente igual. Ou então era pegadinha da médica que deveria ter colocado as letras mais embaçadas.

- R-D-E…-B-O-P…-V-Z.

- Ok, Daniela, agora levante da cadeira e estique os braços o máximo que conseguir para a frente.

- Certo…

- Agora estique os braços para cima.

- Arrã…

- Ok, agora fique agachada com os braços esticados para a frente.

Nesse momento minha dignidade foi perdida. Aquela posição era muito ridícula para se estar na frente de outro ser humano. Mas, repeti para mim mesma, não existe vergonha na frente de médicos, apenas submissão.

- Pronto, você está liberada. Pode ir embora.

- O quê? Já estou? Não vou ter que passar por nenhum outro teste? Não vou ter que tirar a roupa pra senhora poder me examinar??

- Não, não, está tudo certo. Pode ir.

Senti uma leve força no “pode ir” da médica. Pareceu mais um “saia logo daqui!”. Então sem mais objeções saí da sala dela e dei um bom dia alegre para a secretária que agora estava comentando a foto de uma mulher grávida no Facebook.

Olhei para o relógio. Como gosto de saber quanto tempo as coisas levam para acontecer, eu havia dado uma olhada nele assim que entrei na sala da médica. Olhei de novo agora e notei que só havia passado 6 minutos.

Em seis minutos ela me fez umas poucas perguntas, uns testes idiotas e com isso julgou que eu sou saudável.

Como é que se pode confiar num teste médico desses?? Ora até eu poderia executar um teste desses em outras pessoas e poderia fazer mais rápido até.

Voltei para casa com a sensação de que ainda tinha muito tempo livre. E tinha mesmo, considerando que a clínica em que eu faria o exame psicotécnico só começava o expediente às 13h.

Resolvi tirar um cochilo e quando vi, terminei saindo de casa quando bateram 15h no relógio. Peguei um ônibus porque não queria chegar suada na clínica e com o calor que faz em Recife nesse horário, com certeza eu chegaria ensopada se fosse andando. O edifício empresarial onde ficava a clinica era de fato muito mais chique do que o do consultório médico. A psicóloga devia ganhar melhor no fim das contas.

Passei pelo porteiro do lugar e ele me indicou o elevador. Eu simplesmente adoro esses elevadores metidos a modernosos com uma televisão grande exibindo trailers de filmes e notícias. Eu poderia dar muitas viagens ali de subida e descida sem ficar entediada. Só faltava ser um daqueles panorâmicos, aí sim, eu assinava o atestado de elevador super cool.

Cheguei ao andar e assim que avistei a sala onde funcionava a clínica, entrei devagar, sem fazer barulho e ali estava meio vazio mas com um zunido de telefone tocando e a secretária atendendo. Uma loira que aparentava ter seus quase cinquenta anos(mas era daquelas muito bem conservadas, devo acrescentar) me avistou e perguntou se  eu também faria o teste. Assenti para ela e num instante eu estava sentada numa pequena sala com várias cadeiras dessas que foram feitas para ambientes escolares, enfileirada com mais outras pessoas que pareciam me aguardar para começar uma prova. Senti uma pitada de pânico, eu não sabia que teria que fazer uma prova. Eu tinha um caderno de respostas, um lápis e uma espécie de caderno de perguntas que eu não podia ler ainda.

- Certo, pessoal, chegou a última pra completar o grupo de vocês que farão o teste. Aí em suas cadeiras tem o material necessário para fazer a prova. É um teste de lógica bem simples. Vamos fazer a primeira questão juntos para que não haja dúvidas. Lembrando que não é para riscar no caderno de perguntas, apenas marque a resposta no cartão-resposta. Vamos lá?

A turma assentiu e então a psicóloga começou a nos dar as direções.

- Bom, abram a primeira página do caderno de perguntas aí. Vocês podem ver que temos uma figura com uma parte faltando certo? Qual é a parte que completa a imagem?

A figura era um cavalo sem o rabo. Pelo amor de Deus, eles queriam julgar nossa inteligência apenas pelo fato de que notamos que falta o rabo em uma imagem??

- O rabo, fessora, letra A. –disse um dos homens que sentava ali para fazer o teste. A resposta era óbvia demais para eu me incomodar em dizer junto ao coro que a turma ali fez.

- Muito bem. Agora que entenderam como funciona o esquema, continuem. Não se preocupem com o tempo.

 

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Se você sabe a resposta, parabéns, você não é louco!!

 

Comecei achando aquele teste a maior estupidez que eu fizera na vida. Mas então as perguntas foram ficando mais difíceis e a coisa terminou sendo divertida até. O homem que havia respondido a psicóloga terminou o teste em 5 minutos. Peraí ele nem estava saboreando a diversão da coisa? Havia 40 questões no total e me senti resolvendo um quebra-cabeça tipo sudoku. Foi aí que notei que algo estava errado comigo quando a sala ficou vazia e só eu continuava fazendo a provinha.

Apressei o passo e faltava responder duas questões quando a psicóloga sem dó nem piedade mandou a secretaria recolher meu teste. Pelo visto ainda havia outras coisas para serem testadas e eu estava atrasando todo mundo. Fiquei frustrada por não poder terminar, mas eu sabia que tinha acertado tudo que eu tinha respondido. Aposto que o homem que saiu primeiro não tinha essa certeza.

Nem um tal escocês que estava ali para tirar a habilitação no Brasil tinha essa certeza também.

A psicóloga mandou em sentar numa carteira mais a frente. Droga, eu sempre tinha sido da turma do fundão minha vida quase inteira e de preferência no canto da sala. Não gosto de me sentar no meio e na cadeira da frente. A não ser quando eu realmente quero prestar atenção ao que o professor diz. Sentar atrás é uma ótima maneira de ter forma simples de me distrair quando a aula estivesse chata.

O próximo teste consistia em um papel com vários triângulos em diferentes orientações, com ou sem pontinho no meio, pintados ou não de preto. Entre todas as variações, devíamos marcar apenas três tipos especificados no começo do papel. A psicóloga começou com uma linha só e marcamos os triângulos pedidos que apareciam na sequencia de variações. Depois ela mandou virar a folha.

Havia uma folha inteira com variações de triângulos para marcar. Ninguém merece, pensei comigo mesma.

Dessa vez ela recolheu os papéis e ninguém havia terminado. O último e derradeiro teste era bem simples e cansativo: desenhar tracinhos enfileirados no papel até ela dizer “sinal” então paramos e depois continuamos até o próximo aviso. Isso se estendeu por uns dez minutos e minha mão já não aguentava mais segurar o lápis.

- Ok, pessoal, agora com o auxílio desse palito de churrasco eu quero que vocês contem quantos tracinhos vocês fizeram e marque o valor nessas caixinhas.

Essa mulher alucinada só podia estar brincando.

No fim fui a primeira a terminar de contar e me senti com dignidade de novo.

Foram 578 traços…

578 TRAÇOS.

Saí da sala e depois de um tempo ela me entrevistou. Ainda tinha isso. Tagarelei sobre minha não tão ilustre vida e ela ficou surpresa quando falei que curso engenharia eletrônica. Legal, devo ter cara de burra, pensei.

Depois de uns quinze minutos de falatório, ela me liberou. Mandou eu ligar na quarta pra eu saber se eu tinha passado.  Tenho certeza de que se antes eu não era maluca, aquele teste fez o serviço de me endoidar.

Saí da clínica só pensando…

578… 578… 578… 578…..

4 comentários:

  1. Hahahahaha,amei sua história Dani :) poxa,você deveria escrever mais textos sobre sua vida como esse.São muito legais,um abraço ;)

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    1. Obrigada Fernanda! Vou sim escrever mais textos de agora em diante! ;)
      Volte sempre, fico feliz com sua visita :)

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  2. HAUHUAHAHUHAUHAUHAUHAUHAUHAUHUA Me acabei de rir com esse texto. Espero que me sirva de spoiler quando eu for tirar a minha habilitação, porque daí não vou desenhar tantos tracinhos, rs. :P Daniel Nascimento.

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  3. kkkkkkkkkk que bom que vc gostou!! Ainda falta a última parte, continue acompanhando hehehe :D

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