Decoração nova

 

- Que tal este catálogo de cores? –disse meu pai todo entusiasmado. Olhei para o tal “catálogo” e mal pude enxergar a diferenciação das cores. Branco-neve para as paredes da casa, branco-gelo para as portas, cinza-tubarão para o sofá, preto-fosco para o centro da sala e a cortina era a dúvida restante, mas havia um circulo nela com uma flecha apontando para a palavra “cinza”.

- Parece mais uma escala de preto e branco. –falei sem entusiasmo nenhum.

-Hein?

- Digo, precisamos colocar umas flores, sei lá, a casa precisa de vida, de cores…

-Flores? Pra quê flores? Isso aqui não é casa de mulherzinha não!

- Mas pai, isso não tem nada a ver! Eu tenho várias ideias que deixariam a decoração super legal, você tem que ver a casa maravilhosa que eu construí no The Sims

- Dessimis? Ta falando de quê minha filha? Ah, não importa, vai ser como eu quero e ponto final!

Meu pai saiu de perto de mim e foi fazer um lanche na cozinha. Não importavam quantos anos se passassem, nossas opiniões quase nunca eram compatíveis. Nosso apartamento parecia mais o lar de um cara solteiro e não de uma família. E ai de mim se quisesse discutir os gostos decorativos do meu pai. Resignada, fui me deitar e ele voltou para me lembrar de que o pintor começaria na segunda-feira. Ótimo, pensei. Se houvesse um medidor de sarcasmo no pensamento, o meu estaria estourado. Para aumentar minha alegria(haja ironia na minha mente!) ele me disse para não ficar arrumada, porque esse pintor tem uma cara meio suspeita.

 

Não dá para confiar nessa cara de quem está só fazendo o serviço

Não dá para confiar nessa cara de quem está fazendo só o serviço…

 

Oras, isso eu poderia fazer, claro. E realmente me esforcei nessa parte. Quando chegou a segunda-feira, meu pai me acordou pontualmente às 5:15h da madrugada(pra mim, antes das 9h em época de férias é madrugada ainda). E então vesti uma farda velha da escola de cor laranja berrante, coloquei também a calça leggin antiga que eu usava para fazer educação física há 4 anos atrás, puxei meu cabelo num coque rente ao crânio e não passei uma miligrama de maquiagem no rosto. Eu subitamente parecia estar com 14 ou 15 anos de novo. Realmente eu me sentia sem dignidade como fêmea estando vestida daquele jeito. Mas era por uma boa razão não era? Não era?

Enfim o pintor chegou e eu já estava tombando de sono. Tinha sido uma péssima ideia ficar acordada ate 1h da matina quando se sabia de antemão que se devia acordar cedo. Eu estava com olheiras e daquelas bem arroxeadas que faziam um contraste absurdo com minha pele branca. Ignorei meus instintos de colocar corretivo ali com nenhuma parcimônia. O pintor provavelmente acharia que eu era só uma pirralha com sono.

-Opa, dotô! Já vim pra modi de começá a pintura! – fiquei surpresa com o sotaque dele, e olhe que em quesito de sotaque, eu realmente demonstrava de onde viera, minha querida João Pessoa…

- Claro, Seu Zé! Olhe eu quero que você…- meu pai foi indicando o que ele queria que o pintor fizesse e já foi dando aquela sutil ameaça que só ele sabia dar. Meu pai dava ordens rindo, mas pode ter certeza que o riso dele era de assustar qualquer alma viva ou morta. O pintor, depois que meu pai saiu de casa para trabalhar, chamou por mim e pela empregada da casa. Ele perguntou se havia lençóis velhos para cobrir as coisas do apartamento, mas nós não tínhamos nada. Ele resolveu que iria pintar assim mesmo sem nada cobrindo, então foi aí que o desespero começou.

Voavam respingos de tinta para todos os lados e a nuvem de poeira estava tão densa que eu devia instalar para-brisas nos olhos.

-Oh meu Deus do céu. Eu estou cega!.. – Quase gritei entredentes enquanto fazia movimentos com as mãos para dissipar a nuvem de pó vindo da lixa que atacava as paredes.

- Ah moça, não se aprochegue não, que a coisa tá preta! –disse Seu Zé com um risinho gutural.

Nessa hora eu vi que não adiantava fazer nada que aquilo seria só o começo do inferno dos tons dégradé. Foi quando minha empregada tem a brilhante ideia de forrar a casa com jornal e fita crepe. Opa, meu curso de engenheira fazia as pessoas acharem que eu era especialmente qualificada para fazer quase tudo e assim a tarefa de isolar os móveis da casa sobrou para mim.

A partir desse dia fiquei arrumando jornal de tudo quanto é lugar, pedia ao zelador do prédio todos os que estivessem sobrando. Eu já ia no meu quarto rolo de fita crepe quando a quinta feira chegou.

Meu estoque de leggins velhas já tinha acabado. Eu tinha duas opções: usar calças jeans ou shorts.

O que fazer? Matutei comigo mesma a melhor escolha, mas na pressa terminei pondo os shorts.

Mais um arrependimento. Quando eu estava inocentemente na cozinha, em cima de uma escada isolando os armários, senti um olhar atrás de mim. E não é que o pintor estava ali com o risinho dele gutural novamente?

A porcaria de short não cobria muito da minha perna. Soltei um gemido de ódio baixinho e quase perdi o equilíbrio e caía no chão. Para azar do pintor, meu pai estava bem atrás dele soltando um risinho também.

Na mesma hora meu pai dispensou Seu Zé.

No outro dia, já havia um novo pintor para terminar o serviço do inferno dégradé.

Um comentário:

  1. Inferno em tons dégradé!
    kkkkkkkkkkkkkkkkk
    Ainda bem que aqui em casa tudo se resolve rapido!
    Que cor?
    Mete branco em tudo!
    Branco gelo, branco egito, branco perola?
    Branco.
    eu embrulho tudo e você prepara as tintas!
    Em 12 horas tah tudo pintado com o primor de verdadeiros Miquelangelos ^^

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