R.I.P. CDU/SHOPPING

Foto tirada em uma das tantas noites que ele me levou pra casa.

O amigo leitor estranhará quando eu disser que até os 18 anos eu mal sabia como era andar de ônibus. Mas tudo que eu fazia ficava pelo meu bairro mesmo ou então meu pai me levava de carro ao meu destino, até essa idade.
Era um dia muito chuvoso, em meados de junho de 2010. Eu estava estudando para a última prova de Física 1 e esperava o horário que meu pai costumava me buscar na UFPE. Naquele tempo, eu estava ainda no primeiro período e como tudo aquilo de universidade era novo, meu pai me prometeu que daria sempre um jeito de me buscar ou mandar alguém de confiança fazer isso. Aquele dia foi marcante, pois pela primeira vez ele não podia cumprir sua promessa.
Eu estudava na biblioteca do CTG quando preocupada pela demora, ligo pra ele perguntando se havia acontecido alguma coisa.
- Pai, já faz mais de uma hora que eu espero o senhor ligar, aconteceu alguma coisa?
- Daniela, o negócio é o seguinte: tá impossível passar pela Avenida Recife, muita chuva, o carro não passa ali não. Você vai ter que dar um jeito de voltar de ônibus.
- QUÊ? MAS EU NÃO SEI!! NUNCA PEGUEI ÔNIBUS NA VIDA!
- Posso fazer nada, minha filha, se vira.
- Mas… mas…
E a ligação é terminada. Ok, eu estava com um pouco de medo. Nunca tinha ido de ônibus a canto nenhum e estava uma chuva tremenda na cidade, de modo que não ia ser fácil ficar na parada esperando o transporte chegar. Mas, para minha sorte, o destino aliviou e um amigo meu que também mora em Boa Viagem, estava por lá.
Não aliviou tanto assim porque o ônibus demorou uma eternidade para chegar. Aquele dia tinha sido um dia histórico em quantidade de chuva aqui no Recife. Era o primeiro ônibus da minha vida, o ônibus que parava na esquina da minha casa, era o CDU/SHOPPING.
O CDU/SHOPPING era um ônibus que andava pela Avenida Recife inteira, passava pelo Shopping Recife, fazia o retorno na delegacia de Boa Viagem e voltava pra UFPE. Era o melhor ônibus que eu podia usar pra chegar a faculdade. A partir daquele dia, meu pai começou aos poucos a deixar de me buscar e levar, até o ponto em que eu só ia sozinha pra Federal, coisa que aconteceu quando eu estava no segundo período do meu curso lá.
Por seis períodos minha rotina era pegar esse ônibus para ir e voltar da Universidade. Eu reclamei já um bocado dele, mas o fato é que eu tinha até certa ligação emocional por tantas viagens feitas. Receber a notícia de que ele acabaria foi de uma tristeza imensurável. Em pouco tempo, passaram na minha cabeça vários flashes de momentos que ficaram guardados ali.
Todos os dias de manhã ele vinha me buscar, nunca faltava. Demorava um bocado, era quente boa parte do dia, mas sempre me deixava na faculdade. Todas as noites também estava lá por mim e chegava na minha casa num instante porque o trânsito nesse horário flui muito bem. Tantas as vezes que subi nele, que já tinha certo carinho por alguns motoristas e cobradores conhecidos de vista, que sorriam pra mim em reconhecimento as tantas vezes eu eu estava ali. Nos dias que eu estava cansada ficava alegre de saber que não precisaria andar muito porque ele me deixava na segurança perto da minha casa. E sabia também que quando quisesse ir para o Shopping ou pra casa de uma grande amiga, ele também me deixaria lá direto.
Nele eu conversei com tantas pessoas, troquei palavras sobre tantas coisas, chorei de tristeza em momentos ruins, sorri por todo o caminho nos dias felizes, ouvi as músicas que mais gosto com meus fones de ouvido, estudei pra provas, recebi notícias chocantes pelo celular quando ia pra casa ou pra UFPE, aprendi como é importante saber andar nos lugares, descobri que tinha que saber onde era o lado que não fazia sol, vi que existiam pessoas educadas que se preocupavam em lhe ajudar segurando objetos pesados quando você estava em pé…
Alguns passageiros eu até reconhecia e mesmo que a maioria deles não se lembre, internamente eu sorria quando via eles subindo no ônibus pra se juntar a mim em mais uma viagem pra universidade. Perdi a conta dos dias de chuva que me fizeram chegar muito atrasada, ou então passar quase 3h pra voltar pra casa na loucura que virava a Avenida Recife. Certa vez, lembro que ele quebrou no meio da rua e tive que descer pra pegar outro. Já aconteceu também de ele bater em carro, numa dessas vezes foi bem perto de mim e fiquei com medo de me machucar, mas como ele tem uma estrutura forte, nada aconteceu comigo.
É bem verdade que algumas vezes o traí e escolhi outros para voltar pra casa, mas nenhum deles era tão eficiente quanto o CDU/SHOPPING. Pensar que nessa sexta feira, dia 19 de março de 2013, foi nossa despedida, seca as palavras da minha boca e me deixa com uma sensação triste de um ente querido que se foi, mas é difícil se acostumar com o seu fim. Até tentei registrar o momento, mas justo na hora que eu fui tirar uma foto, a bateria da câmera acaba.
Talvez fosse o destino me fazendo deixar de lado essa perda de tempo e apreciar minha última viagem nele, que como não podia deixar de ser, foi num dia muito chuvoso na cidade de Recife, um lamento em gotas de água que caíam fortemente no asfalto, com as janelas fechadas e os bancos úmidos. Mesmo naquele abafado, percebi todos seus fiéis passageiros mentalizando um singelo adeus.
Assim, na nossa despedida, eu senti a mesma coisa que senti no ínicio, como se andasse ali pela primeira vez, mas de algum modo sabendo, que aquela seria nossa última passagem.