A lenda da romena


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A única foto que consegui registrar. Afinal, lenda é lenda.
Eu não sei se vocês já tentaram pesquisar o nome dela no Google.  É missão impossível achar uma foto que seja, ou quase, talvez alguém consiga essa façanha. Não fosse o clique sorrateiro que tirei há mais de um ano atrás, não teria uma imagem para ilustrar esse post.
O fato é que essa mulher é uma lenda viva e depois de finalmente passar em todas as disciplinas que eu poderia pagar com ela, chegou a hora de me despedir de suas aulas e em sua homenagem, postar esse humilde texto que tenho certeza que não descreverá a altura o personagem que ela virou em minha memória e na de muitos outros estudantes de Engenharia Eletrônica na UFPE. Se você ainda não a conhece ou quer apenas relembrar a figura icônica, vamos comigo nessa retrospectiva pelos momentos com a romena. Espero que se algum dia ela ler isso aqui, fique feliz e ache divertido, foi com a melhor das intenções. Afinal, professora, sou sua fã.
E quem não poderia ser depois de ver suas aulas?
Quando eu entrei na UFPE, era o ano de 2010. Eu havia passado para a segunda entrada de Engenharia, mas meu pai insistiu pra que eu aproveitasse a brecha que deram na universidade e entrar logo no primeiro semestre mesmo. A contragosto, mudei meus planos e como todas as outras pessoas que fizeram o mesmo, fui ver a palestra ou coisa do tipo que aconteceu no auditório Professor Newton da Silva Maia no CTG(Centro de Tecnologia e Geociências). Após algumas palavras do diretor do centro, ela toma a palavra. Era então a coordenadora da área II, o prédio em que eu iria começar a ter aulas em breve. Com um sotaque um tanto peculiar, ela começa a falar, ou melhor, alertar para o inferno que nossa vida se tornaria no decorrer do curso. Lembro da frase mais célebre do meu início de jornada:
-Bem, a área II foi feita para durar dois anos. Espero que vocês não me acompanhem por mais que isso. – disse ela com o seu sorrisinho meigo, que transparecia sarcasmo, mas também preocupação com nosso desempenho. Foi um pouco assustador, mas de arrepiar mesmo foi ver quando ela chegou na sala logo no meu primeiro dia de aula.
Era minha professora de Geometria Analítica. Claro que eu era uma pessoa de sorte e iria ter logo ela como minha professora.
Eu não conseguia entender uma palavra do que ela dizia.
Não, eu não era retardada, mas levei quase o período inteiro pra me adaptar ao jeito que ela falava. Rápido, com um jeito de gringo falando abrasileirado e todas as funções pareciam ter nomes engraçados com o jeito que ela pronunciava. Por muitas e muitas aulas eu me perguntei de onde ela era pra ter aquele sotaque. Algum lugar de língua espanhola? Ou inglesa, talvez? Eu não conseguia me decidir no palpite até que ela contou como era sua infância na Romênia em que as janelas eram abertas logo cedo para arejar as salas de aula enquanto aqui assistíamos normalmente trancados num ar-condicionado.
Nesse momento, eu já estava em mais uma situação de sorte da minha vida tendo aulas de Cálculo 3 com ela na área II. Afinal, ter aulas apenas uma vez com o mesmo professor era pouca sorte não é? E ainda mais com a romena. Foi mais um dos períodos em que “cosseno” era pronunciado como “cozeno” e “quem é” se tornava “quimé”.
Esses são apenas dois dos tantos jargões que ficaram clássicos das aulas dela. Clássicas também eram as roupas que ela usava, quase sempre vestidos leves que exibiam suas belas pernas. Com todo respeito, professora, mas todas as garotas se perguntavam sua receita de sucesso pra manter esse torneado par de membros inferiores.
E tenha certeza que a maior parte dos garotos que sentavam na frente estavam ali pra conferi-las mais de perto.
Apesar do ar de um pouco de cansaço que seu visual passava, a romena parecia sempre estar energética. Andando pra lá e pra cá na sala num ritmo frenético entre falar, escrever, explicar e ainda encarar os alunos nos olhos. Eu achava que duas vezes era o bastante, mas veio Complementos da Matemática, e mais uma vez estive na ata de alunos da romena. Era meu quarto período e foi com certeza meu pior desempenho nas cadeiras que paguei com ela.
Nunca antes o que ela dizia pareceu tão grego.
Se bem que dado o número de variáveis com letras do alfabeto grego, ela praticamente escrevia grego, só que com alguns números e desenhos do plano complexo acompanhando. Minha nota foi um desastre. Depois da primeira prova decidi largar a cadeira pra pagar depois. Eu sabia que algum dia ia ter que passar por ela novamente, mas resolvi me dar um descanso. Não era fácil encarar tantos períodos hardcores assim. E Complementos da Matemática era sem dúvida a primeira das cadeiras que pareciam coisa do capeta no curso de Engenharia Eletrônica.
Para minha pobre tristeza, eu não poderia passar muito tempo protelando pagar novamente a danada, afinal, ela prendia cadeiras ainda mais capetudas do curso. Resignada, matriculei novamente no sexto período. Mas dessa vez eu tinha decidido que seria minha última vez com a romena. Foram anos marcantes, mas me despedir dela me faria sentir finalmente desprendida das lembranças do meu tempo no ciclo básico(pelo menos é como chamam) na área II.
Confesso, não estudei como devia.
Praticamente estudei de véspera(e algumas vezes faltando duas horas mesmo pra prova). Mas dessa vez, eu tive um desempenho que me fez passar raspando com 5 na média contando a prova final. Ou seja, foi arriscado, mas de algum modo consegui. Tenho certeza que depois de todas as vezes que fui sua aluna, ela deve ter olhado com mais carinho minha prova final e achado que eu merecia passar dessa vez na maldita disciplina. Não que eu estivesse uma aluna exemplar, mas talvez ela se lembrasse do meu desempenho melhor da época dos primeiros períodos. A romena, afinal, descobriu meu nome quando lia a ata da primeira nota de Geometria Analítica e viu que eu tinha um dez. Meu único dez numa prova dela, vale ressaltar, quando fazer Engenharia ainda parecia algo para seres humanos normais como eu.
Numa coisa eu devo dizer que ela é show: de fato, ela mostra preocupação com os alunos e estava sempre a disposição pra tirar dúvidas. O fato é que a cadeira é tão difícil que a maioria acabava nem estudando e fazendo na louca. E a romena é uma das mulheres mais inteligentes que já conheci. Tive muitas aulas com muitos professores e as disciplinas de Engenharia não são simples. Tantas vezes vi professores dando aulas com livro na mão, outros na base dos slides pra não esquecer as coisas, outros consultando folhas de papel com anotações das fórmulas e conceitos. Mas ela não. Sempre sabia onde tinha parado a aula anterior, o que tinha falado, e mesmo que a ordem do que ela explicava parecesse não ter ordem alguma, ela sabia naquela bagunça que havia nos mostrado os assuntos da ementa da cadeira. Era também inteligente pra reconhecer quando um problema requeria muita mágica pra ser resolvido e ela não lembrava exatamente os truques pra chegar a resposta. Mas nada que depois de algum tempo meditando e soprando o cabelo, que as vezes caia no rosto dela, não se ajustasse.
A romena é uma lenda.
Quem passou pelas aulas dela jamais vai esquecer como foi.
As pessoas que sabem que vão passar, não esquecem esse fato e tremem com a ideia, pois o mito vive e de fato não pega leve, afinal, matemática não é leve. É uma brincadeira, só que não é fácil brincar com ela, tem que gostar pra ser divertido. E com um personagem desse, não tem como esquecer o plano Argand-Gauss, resíduos, polos, expansão de funções e as tantas vezes que me senti o máximo achando que sabia alguma inteligente nessa vida.
À romena, o meu muito obrigado pelos momentos que guardarei, pelas piadas soltadas no meio das aulas, nas metáforas mais bizarras que já ouvi pra descrever coisas de matemática, pelas correções com carinho nas provas e muito mais que não vou lembrar de citar aqui. Dessa vez, até aconteceu um milagre e pela primeira vez teremos três monitores pra ajudar os alunos na cadeira. Foi um choque mesmo pra ela que nunca podia imaginar que algo assim aconteceria. De vez em quando temos períodos com alta média de gênios e algo assim pode acontecer(período esse que não me inclui, vale dizer).
Saudades não terei, mas devo dizer que nostalgia eu sinto quando vejo seus novos alunos indo assisti-la, olhando com respeito enquanto você caminha em direção ao auditório do primeiro andar do CTG.
Sua lenda será repetida não só por mim, mas por toda geração de engenheiros que passaram por você.

13 comentários:

  1. confesso q me emocionei um pouco ao ler este post!
    Definitivamente, a Romena é uma lenda, e todos que já pagaram alguma cadeira com ela, sabe que ela está ali pra nos ajudar, nos ensinar DE VERDADE, além de se preocupar com os alunos, diferentemente de alguns professores que estão "cagando e andando" pros mesmos.

    Fico feliz por você ter voltado a escrever daniela :D
    abraçoo forte.

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    1. Poxa, assim eu me emociono também! ^^
      Obrigada e continue lendo, continuarei escrevendo :)
      abraçoooo!

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  2. ROMENA LINDA ESSEDOIS ESSEDOIS!

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    1. Aliás, post maravilhoso!

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    2. kkkkkkkkk nunca imaginei que fosse tanto amor a ela! Aposto que ela ficaria feliz de saber! :)

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    3. Excelente texto! Se bem que antes de começarem as aulas eu ouvia todos os meus amigos me mandarem fugir da romena kkk coincidentemente ela deixou de ensinar analítica esse semestre... Acabei pegando jalila que também é uma excelente professora, quase uma mãe pros alunos.

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    4. Ah, mas não se preocupe, sua hora com ela chegará se você fizer engenharia eletrônica! E vai valer a pena, uma lembrança pra eternidade! kkkkkkk E obrigada pelo elogio, volte sempre :)

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  3. Prezada Daniela,

    Sou Ramón Mendoza, professor de Complementos de Matemática,
    espero que todos entendamos que a universidade é feita por estudantes,
    funcionários e professores.
    Nasci no Chile em 1951, cheguei ao Recife em 1979.
    Espero me aposentar durante 2015, depois de 40 anos em sala de aula.
    Desejo sucesso na sua vida pessoal e profissional.
    Que a Paz do Senhor esteja com você e sua familia.

    Ramón Mendoza

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  4. Obrigada, Daniela! Toda vez que leio, me emociono! Espero que pelo menos partes desse poste esteja ainda valido! Abraço. Liliana

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